sexta-feira, 15 de abril de 2016

O dia



Já escrevi aqui sobre ser você, suas escolhas durante a vida que irá repercutir em algum momento em sua história.  Tem dias que você parece que está dentro de uma cápsula e irá para o espaço e ficará um ano por lá adormecida. Infelizmente não é assim que a vida funciona. Levantei com o mais pesados dos dias me arrastei com a cadeira durante todo o dia e o pensamento em algum lugar tão distante que eu não reconheceria o nome Terra se lesse em algum jornal.

Fiquei em silêncio, pensando na vida, nas ocupações e preocupações do dia a dia. O silencio foi só meu, ninguém soube ou percebeu. Ninguém imaginou na culpa que a gente sempre carrega que podia ter feito alguma coisa melhor, podia ter lido mais, podia ter reescrito novamente o texto antes de mandar para o jornal. São cobranças, culpas e sentimentos que atravessam o coração e nos deixam tão fragilizados quanto um bebê de colo.  Cada impulso da cadeira foi uma força descomunal. Desculpe, porém há dias que estamos assim.

 Há alguns momentos que percebemos que somos de carne e osso e somos humanos, talvez mais humanos que acreditamos em ser. Sofremos, sonhamos, desacreditamos e nos conduzimos para um lugar que não existe em nenhum outro lugar, a não ser dentro de nós. É nesses momentos que percebemos que a vida segue principalmente dentro da gente e precisamos ocupar os espaços em brancos que sempre teimam a nos perseguir.  

Esses dias são necessários para acreditar, sonhar e nos conduzir a algum lugar, talvez até melhor. É nesses momentos que tomamos decisões importantes como: Cuidar da saúde, fazer aquele curso que há anos você está querendo. Eu sei que há momentos que o sentimento de desistência invade nosso ser de uma forma brutal. Por favor, não desista, tente mais uma vez.


Não importa que estamos tão vulneráveis e nos sentimos incompetentes, melhor ter dias assim, do que ser qualquer coisa. Não duvide de você, dos seus sonhos e principalmente nunca deixe de ser você, mesmo que o dia esteja pesado demais. Tudo passa e amanhã será outro dia.

Publicado originalmente no Jornal: A novidade

sábado, 9 de abril de 2016

O encontro de Natasha

Ela estava sentada no bar com sua vodka forte em um copo, cigarro nos dedos e a fumaça enchendo o ambiente que estava meia luz. Várias mesas cheias de casais, amigos que riam, bebiam, contavam histórias e  ela ali sentada, sentindo-se um pouco sozinha. Vestia uma calça jeans rasgada, tênis preto, camiseta preta e uma jaqueta fina, já que o ar da noite estava suportável. Batom vermelho, o rímel passado exageradamente e a maquiagem que marcava os olhos grandes de olhar penetrante.

Ele também sozinho na outra ponta do bar, olha o celular, checando algum e-mail que chegará. Todo certinho, bebia sua cerveja sem álcool, estava ali de passagem. O dia estressante no trabalho precisava de um lugar para relaxar, tomar algo gelado, ver gente. De repente seus olhares cruzam por relances, ele a olha de cima a baixo. Confere  o celular novamente para disfarçar e imagina o que aquela moça estará pensando. Será que seu trabalho também fora estressante, talvez também se sentisse sozinha como ele. Pensou em que nome ela teria: talvez- Natasha, Verônica. O que absorvia da vida, o que ela esperava das coisas mais simples. Será que ela sempre se vestiu assim?

Ele toma coragem, coloca o celular no bolso, pega o casaco e a cerveja e vai em direção à mesa dela.

 Vi que você está sozinha, posso me sentar na sua mesa?  

Ela olha para os olhos cinzentos e observa o quão seus olhos parecem um lago de águas mornas e escuras e um pouco atordoada responde que sim.
Os dois naquele bar, a música ao fundo, o jazz que tocava suavemente enquanto os dois trocavam gostos peculiares, trabalhos e sonhos. A cerveja, a vodka e o cheiro de cigarro estavam impregnando seu ser, no entanto ele estava gostando de toda aquela confusão de cheiros e gostos. Ela se sentiu confortável perto dele, gostou de como o som da sua voz se entonava dependendo do que ele falava. Ele viu que debaixo daquela maquiagem pesada existia alguém que um dia fora diferente. Atrás de toda aquela rebeldia existira uma garota romântica, talvez maltratada pelos relacionamentos sem sucesso. Cada palavra que ela falava e cada pensamento bobo eram como músicas em seus ouvidos. De repente suas mãos se tocam num relance e seus olhares se cruzam no mesmo segundo, uma energia boa percorre a alma dos dois. Retribuem com um sorriso sem graça.

Com o passar das horas já se tornaram amigos de infância ou (até mais). Trocam números de  telefones,  ela se despede dele. Quando se levanta da cadeira e se acomoda nas muletas que estavam encostadas na outra mesa, ele leva um sobressalto. Talvez, agora entendesse um pouco da garota que com o nome de Natasha.  Sem graça oferece ajuda, ela responde que se vira bem. Os olhos dos dois se encontram novamente intensos, como o calor do café em um dia ameno. O cheiro ainda é inebriante: do bar, do álcool misturado com o calor humano, o perfume dos dois- agora mais perto. Natasha percebe que suas mãos ficaram  escorregadias ao toque do plástico das muletas. Nunca antes  se sentiu assim.   O homem dos olhos cinzentos encosta a mão em seu braço e lhe diz: Quero te encontrar novamente. Natasha percebe que já é amor.


 Publicado originalmente no Jornal: A Novidade

sexta-feira, 1 de abril de 2016

A garota intermediaria


Ela não sabia do que gostava, ou amava. Suas cores eram a mais básica possível: preto e branco.  Não ousava - Gostava dos mesmos discos e livros, os autores eram os mesmos desde a adolescência. Tinha a ilusão de ser diferente por gostar das mesmas coisas, sempre. Não se importava com nada, sabia ser ela mesma nos momentos mais difíceis.

Não ousava usar nem mesmo uma cor mais berrante, sua maquiagem sempre foi à mesma, o batom claro, a sombra rosa e um blush para disfarçar a falta de cor. Adorava sorvete de creme com calda de chocolate, nunca experimentou outro sabor. Sua comida predileta foi a mais normal possível: lasanha de quatro queijos. Nem a cor do cabelo mudou, preferiu ficar na mesmice todos os anos que se passaram. Gostava de música clássica, bebia somente vinho tinto suave.

Tinha um gosto esquisito por caras adultos românticos, poetas e músicos desconhecidos.  Só que ela não esperava conhecer alguém que a aceitasse mesmo com suas loucuras internas. Ela o encontrou no meio dessa confusão de "intermediarismo" que causou um transtorno em sua vida. Ela se sentiu de um jeito extremamente diferente. Passou a usar cores, muitas cores no seu guarda-roupa, logo ela que nunca se sentiu confortável com as diversas e infinitas cores desse mundo. Passou a frequentar lugares diferentes, teatro, cinemas, cafés e até Pubs.

Ele mostrou através dos seus olhos e dos diversos sentidos que o mundo não se resumia a tons pastel. Ela precisou gritar para o mundo e renascer de dentro dela mesma. Precisou amar de um jeito que a mesma nunca imaginou. Conheceram lugares diferentes, cheiros cítricos até suaves. Experimentou sabores amargos, doces até apimentados. Tocou todas as texturas possíveis, desconhecidas pela sua pele sempre tão morna. Ouviu músicas que jamais seus ouvidos escutaram algum dia. Ela saboreou, olhou, tocou, experimentou, arrepiou e no fim- se extasiou!  

Ele fez ver que a vida não pode se resumir no intermediário. Precisamos ousar o olhar além do que nossos olhos conseguem enxergar. Precisamos querer sempre mais da nossa vida e o mais importante: Nunca mesmo nos conformar com qualquer situação que seja. A vida é bonita, e precisamos sempre, sempre mesmo acreditar que tem algo a mais lá na frente. Apenas precisa-se um pouco de paciência e vivenciar da forma mais genuína possível.


Publicado originalmente no jornal: A novidade