Ela está sentada em algum café em uma cidade distante, sua
memória parece flutuar contra o sol do entardecer, onde os prédios espelhados
parecem um céu refletindo - o. Não lembra do seu próprio nome e suas lembranças
talvez nunca voltem. Apenas sabe que era noiva de alguém que se chamava Victor.
Victor acabou falecendo no acidente e o que restou dos dois e suas possíveis
lembranças foi apenas uma caixa.
A única coisa que sabe que as pessoas falam é que estava feliz,
ele tinha a pedido em casamento e ainda guarda o anel e uma foto dos dois.
Verônica não tem nenhuma lembrança dos dias felizes com ele. No pequeno
apartamento onde já estavam juntos há alguns anos há coisas antigas, retros,
quadros que compraram juntos, um porta-retrato com a foto dos dois muito
sorridentes, e nada trás uma ínfima ideia de como passou os dias naquele lugar.
Se fizeram guerra de almofadas, se comiam brigadeiro assistindo comédias
românticas, se discutiram alguma vez, qual seria seu cheiro, o som da sua
risada, nem o tom da sua voz ela lembra. Muitas perguntas e muito “se” que
ninguém foi capaz de responder.
Ela vivia em mundo suspendo com lembranças que os outros
falavam e tinha a impressão que apesar de tudo alguma coisa dentro dela era
mais forte e em algum momento iria lembrar-se
de qualquer detalhe. Um detalhe pequeno que seja uma memória escondida atrás da
sua mente agora apagada. Ela tinha esse dever não por ela, no entanto por esse
amor intenso que as pessoas comentavam
de como ele a fazia feliz todos os dias.
A família e os médicos disseram que seria melhor viajar,
conhecer outros lugares, novos ares, ver gente, quem sabe alguma lembrança
dentro dela que está adormecida poderia por um milagre despertar. E nesse
momento ela está ali como uma caixa em branco recuperando algum resquício de
sua história. Mantém um diário para
lembrar-se das pequenas coisas que a faz feliz. O sol do fim da tarde, um livro
bom, uma pessoa nova que a conhece e até a comida favorita. Verônica está se
reconhecendo como ser humano em um mundo que não é mais seu.
De repente em algum lugar em algum momento ela ouve uma
música, e a mesma fez seu coração bater e alguma imagem de um garoto sem rosto
em algum lugar pegou sua mão e a fez dançar rodou com ela e a fez rir muito.
Verônica repetia freneticamente que jazz não se dança, e ele a rodopiava cada
vez mais forte. E ria, e ria, e ria, até que a imagem se apagou... Um jazz que fez seu mundo parecer mais perto
de seu coração e a fez sentir mais perto das outras pessoas que também fazem
parte do seu mundo. Pode não se lembrar de momentos passados e sua vida parecer
atribulada, porém agora ela tem certeza
que esse jazz fez parte da sua vida. Na
primeira página de seu diário está escrito com uma letra bonita em caixa alta o
título: O Jazz de Verônica. Depois desse dia sua vida teve um novo sentido.
Beijos enormes!
Texto publicado originalmente no jornal: A Novidade