Bernardo já beirava quase seus quarenta anos. Ele era
simples, gostava de música boa, cinema e lia freneticamente tudo que estava ao
seu alcance. Era professor de Filosofia em uma faculdade conceituada. Sua vida
se resumia aos livros, vinho tinto e de vez em quando um cigarro de chocolate.
Sua postura diante da vida sempre foi de um homem sério, usava óculos e mesmo
quase quarentão usava acessórios que deixava a sua marca ainda da adolescência como
as pulseiras de couro e também os tênis converses.
Vivia sozinho em um apartamento do centro da cidade com seu
gato chamado Lenin. Nem sempre sua vida
foi tão tranquila assim. Bernardo já amou muito e tudo o que restou desse amor
ele colocou em uma caixa que deixa bem distante dos seus olhos para seu pobre
coração não sofrer mais. O coração de Bernardo anda desocupado pelos amores da
vida. Ele não se deixa amar e nem ser amado, tudo o que já viveu está trancado
em uma caixa com um cadeado.
De vez em quando ele abre a caixa que sempre está escondida:
dentro da mesma há fotos, cartas, bilhetes flores secas, coisas que hoje em dia
quase ninguém mais usa. Ele é daqueles caras românticos, gosta deVan Gogh e
também poesia medieval. Até tentou escrever um livro, só que sem sucesso. Seu coração fica pequeno naquelas lembranças
todas de Sofia. Ainda pensa se deve ou
não procurá-la. O que ela estará fazendo nesse exato momento, enquanto ele
revira todas aquelas lembranças junto com seu coração que fica pequeno diante
de tudo.
Enquanto isso no outro lado da cidade Sofia também pensa em
Bernardo, e ainda guarda uma foto dos dois em um fundo falso da gaveta de sua
escrivaninha, onde a mesma utiliza para escrever sua coluna diária. Sofia tem
mais de trinta anos e é do tipo de mulher esportista, gosta de correr enquanto
ouve as músicas em seu ipod. Vegetariana e adora música clássica, porém ainda
bebe vinho tinto em noites estreladas em sua varanda relembrando os dias
intermináveis com Bernardo. Não lembra direito qual o motivo que os dois se
afastaram tanto. De vez em quando ela fecha os olhos e ainda sente o cheiro do
seu perfume pelo ar.
Em um dia qualquer como qualquer outro Bernardo e Sofia não sabem, no
entanto o destino é brincalhão com os dois. Bernardo sai de casa mais cedo,
pois quer passar em uma cafeteria tomar um expresso e ainda ler alguns
manuscritos de algum aluno. Sofia terminou seu livro e quer entregar
pessoalmente para alguém que irá corrigi-lo. Ela decide ir a pé e sente o
cheiro de café pelo ar das ruas onde as calçadas estão repletas de folhas,
sinais do outono em qualquer cidade. Ela passa pela cafeteria e uma força maior
lhe faz entrar e pedir um expresso.
De repente Bernardo vê Sofia ali bem ao alcance do seu
coração. Na mesa ao lado tomando seu expresso e folheando um livro qualquer. Então
o inesperado acontece, ela levanta os olhos e seus olhares se encontram e na
mesma sintonia um sorriso sem graça entre os dois acontece. Ele toma coragem e vai
ao seu encontro. Depois desse dia Bernardo destrancou a chave do seu coração e
Sofia o correspondeu após de tanto tempo, de tantos desencontros. Algum tempo
depois descobrem que faziam o mesmo caminho quase todos os dias e não se
encontraram uma única vez. Bernardo e Sofia não lamentam, apenas vivem como
qualquer casal depois de muitos desencontros, finalmente o encontro mais
esperado aconteceu.
Beijo grande!
Texto publicado originalmente no Jornal: A Novidade.
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