sexta-feira, 29 de julho de 2016

Reencontro de olhares






Depois daquela troca de olhares no metrô Olga e Carlos não conseguiram mais esquecer um do outro. Carlos imaginava o que Olga fazia e o que gostava, quais seriam seus sonhos, suas dúvidas. Sua cabeça estava cheia de perguntas que se um dia tivesse chance de reencontrá-la novamente seria bombardeada por elas. Já Olga não parava de pensar porque motivo aquele homem provocou tanta perturbação nela. O tempo estava passando depressa demais e os dois não tinham nenhuma notícia um do outro. Ela passou algumas madrugadas na frente do computador pesquisando pessoas nas redes sociais, no entanto seria quase impossível encontra-lo já que não sabia nem o nome dele.

Uma manhã de quarta – feira como outra qualquer ela saí cedo para o trabalho, e estava na plataforma reservada para cadeirante esperando o metrô com seus fones de ouvido ouvindo uma música qualquer. Carlos a avista e corre para alcançá-la, quando chega perto oferece ajuda, ela aceita, só que Olga ainda não visualizou o rosto de Carlos. Quando ela estaciona a cadeira de rodas no seu lugar reservado, coloca o cinto e vê o rosto dele seu coração dispara de tanta emoção. Ela agradece pela ajuda e os dois começam a conversar sobre as coisas corriqueiras do dia: tempo, seus nomes, onde trabalham e onde moram. Trocam números de telefones, assim não podem se perder mais um do outro. Foi sorte grande os dois estarem ali, lado a lado, naquela cidade grande, cheia de gente, de vidas, de caminhos. 

O dia passa e eles começam a trocar mensagens na hora de folga dos mesmos. Marcam um encontro a noite em um restaurante com acessibilidade é claro, já que Olga é cadeirante e Carlos é um homem muito sensível. Ele vai pegá-la depois o trabalho, tem alguma dificuldade em desmontar a cadeira e colocar no táxi, ela lhe dá as instruções e tudo acaba bem. Eles tomam vinho e comem massa e conversam e conversam....  Todos os assuntos possíveis entram naquela mesa, Carlos fala do seu sonho de uma casa com janelas grandes e flores amarelas nos jardins. Olga fala de sua pós-graduação e que não teve muitos relacionamentos, sua vida foi mais focada nos estudos. Depois de duas horas de muita conversa eles saem do restaurante, ele se oferece para empurrar sua cadeira, ela aceita com um sorriso no olhar. 

Os dois  resolvem andar um pouco pela noite, as luzes da cidade ainda acessas, bares, restaurantes, pessoas bebendo, sorrindo, gesticulando e os dois caminhando como uma sombra em uma noite de luar. Eles param em um parque, cheio de gente, crianças andando de skate, bicicletas por todos os lados. Carlos senta em um banco empoeirado e mal conservado para ficar da altura de Olga. Ele não para de olhar para aqueles olhos cor de mel, que nunca esquecera. Suas mãos tremem, ele alcança seu rosto e olha bem no fundo dos seus olhos, a meia luz do parque ajuda, ela fecha os olhos e se entrega - eles se beijam. 

Texto publicado originalmente no Jornal: A Novidade.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Do seu lado







Cada um em seus dias rotineiros, os dois trabalham no centro da cidade, José cursa direito, Fernanda filosofia. Moram no mesmo bairro, frequentam os mesmos lugares. Às vezes se esbarram pelas ruas, em algum cruzamento movimentado trocam olhares e meios sorrisos. Na faculdade estudam em setores diferentes, na biblioteca, na cantina sempre se encontram. Quase sempre ela o observa quando ele está compenetrado em algum livro. Fernanda até pensar em falar com ele, no entanto sempre deixa para depois e esse depois nunca acontece. 

José também a observa quando está em algum momento sozinha, na cantina tomando seu suco de melancia e lendo Platão. Pensa que deve ser um dos autores preferidos dela. José imagina como ela deve ser diante da vida, quais seus sonhos, conquistas. Toda vez que ele passa por algum corredor e ela está presente, faz que algum livro caírem e os junta vagarosamente só para ouvir novamente o som da  sua voz calma, tranquila. Ele comenta para alguns amigos que está começando a se apaixonar por ela.

Por uma coincidência da vida, soube de alguns workshops que aconteceriam na faculdade e iria integrar cursos de diferentes áreas, essa realmente era a chance que ele tinha para conhecer ela. No dia dos workshops ele a avistou com algumas amigas do curso de filosofia, parecia interessada e marcava tudo em alguma agenda. Depois alguns amigos marcaram para sair, conversar. Amigos de cursos diferentes se juntaram e Fernanda estava entre eles. José estava dando pulos de alegria, só precisava sentar do lado dela e puxar conversa, o resto aconteceria naturalmente. 

E assim aconteceu, os dois finalmente se encontraram naquele dia de lua e estrelas no céu. Uma conjunção a favor do sentimento que eles guardavam um pelo outro, a voz doce dela falando de seus interesses, seu perfume suave que invadia todo ser dele.  Depois de algumas taças de vinho e muita massa saíram pela noite gelada.  As estrelas compactuavam formando desenhos,  tocava uma música ao fundo vindo de algum lugar, ele a convidou para dançar no meio da rua. Fernanda aceitou no meio de um sorriso soube que aquele José é o que ela imaginou durante muito tempo de encontros de olhares furtivos e meios sorrisos pelas avenidas daquela mesma cidade. Ela agradeceu por ele estar ali, do seu lado.

Texto publicado originalmente no Jornal: A Novidade.



segunda-feira, 18 de julho de 2016

Um olhar






 Carlos trabalha em alguma empresa importante de uma grande cidade, mora em um pequeno apartamento, está economizando para adquirir uma casa com janelas grandes e um jardim com rosas amarelas. Gostava de olhar as revistas e separar ambientes que um dia ele poderá decorar com suas próprias mãos. Sonhava em encontrar alguém para dividir todo esse sonho enrustido dentro dele. 

Olga é do tipo independente, mesmo se locomovendo com a sua cadeira de rodas, também mora em uma grande cidade movimentada, sobe e desce das calçadas, sabe o valor de se locomover sozinha. A cidade grande a oferecia tudo isso. Trabalha em uma grande empresa de cosméticos, e vive em um pequeno apartamento que divide o aluguel com mais duas amigas. Seus sonhos são tão clichês que seria impossível descrever.

Sem saber os dois pegam o mesmo metrô todos os dias, ela fica no seu lugar reservado, coloca o fone de ouvido e algum livro de literatura para se distrair no trajeto de ida e volta. Ele quase sempre chega atrasado e toma seu lugar de sempre, traz consigo alguma revista de investidores ou economia para poder se atualizar.
Naquela sexta-feira de inverno, o dia parecia congelante, ele senta em um lugar diferente dos outros dias, e nunca tinha reparado no espaço priorizado para cadeirantes. De repente Olga chega tocando sua cadeira de rodas estaciona no seu lugar, trava a cadeira e coloca o cinto de segurança como de costume. Coloca seu fone de ouvido, no celular uma lista com suas músicas preferidas. Quando a música Amazing Day (Dia incrível) começa a tocar e seus olhares se cruzam e ficam fixados um no outro. Ela esboça um meio sorriso tímido e ele o retribui. Seguem viagem cada um ao seu destino sem trocar uma palavra, no entanto aquele olhar sincero ficou perdido dentro do peito de cada um deles. 

O dia segue como todos os outros e na volta Carlos tenta encontra-la , mas ela não aparece, nesse dia,  sua amiga de apartamento lhe pega no trabalho. Por dentro ela lamenta por não poder pegar o metrô e quem sabe encontrá-lo novamente. Distante um do outro eles sentem que a timidez atrapalhou aquele encontro e talvez nunca mais se reencontrem naquela cidade cheia de gente de todos os destinos e caminhos. E apenas um olhar de alguns segundos já fez cada um pensar tanto no outro. Um olhar, apenas um olhar. 

Texto publicado originalmente no Jornal: A Novidade.


sexta-feira, 8 de julho de 2016

Você




Quem é você? Você já deve ter feito essa pergunta por milhares de vezes. Algum dia deve ter encontrado algumas respostas; talvez, intraduzíveis. Eu não vou responder nada, pois ninguém é dono da verdade absoluta. Só queremos uma resposta, e, com isso, surgem muitas outras perguntas. Às vezes, fico pensando de como seria se eu não fosse cadeirante, por exemplo. Será que eu teria lido os mesmos livros, meus gostos seriam os mesmos?

Somos a soma de tudo que tocamos, consumimos no mundo. Você é tudo o que leu, aprendeu, as aulas da faculdade que te interessaram. Você é todos os cafés que tomou, as tortas e bolos deliciosos que comeu. Você é tudo que aprendeu na infância, e também as músicas que te influenciaram de alguma forma. Você é todos os filmes que assistiu e guardou, é os lugares que visitou e os caminhos que seguiu.

Você é toda a lembrança boa da infância, enquanto corria pelas ruas com pés descalços, é também aquela lembrança não tão boa. É os bolos que tomou, e os tombos que conseguiu por fim levantar. É as gripes que teve naquele inverno rigoroso e como o deixou frágil. Você é as lágrimas que rolaram pela sua face, é os sorrisos seguidos das gargalhadas que te fizeram sorrir. É as dúvidas que te assombraram por algum momento, e também os arrependimentos, é os abraços dados e recebidos, os amigos que fez e aqueles que quis levar para a vida. Você é a sua rebeldia, enquanto adolescente, quando usava aquela calça rasgada e aquela camiseta do Rolling Stones. Você é todas as tatuagens que fez.

Você é as roupas que gostou, o dinheiro do café, os discos e o primeiro carro que comprou. É a profissão que escolheu, a profissão que largou e decidiu começar tudo do zero. É o primeiro beijo que deu, o primeiro amor que fez seu coração acelerar mais forte, o segundo, o terceiro, o quarto e... Você é as pessoas que não te amaram, as pessoas que te fizeram sofrer, as pessoas que você fez sofrer. É aquele que reaprendeu a amar e aprendeu que todo dia é um novo recomeço. Também aprendeu sobre como viver sozinho em algum momento da vida. Você é o filho que carregou no colo, e aquele que escolheu para caminhar de mãos dadas ao seu lado.



A nossa única certeza é que somos tudo isso e um emaranhado de mais e mais escolhas que fizemos todos os dias. Somos únicos nesse mundo cheio de gente, de escolhas, e essas experiências são que nos fazem mais ímpar ainda. Não adianta querer se enquadrar em alguma forma que não será a sua verdade. A nossa maior verdade é que ninguém é igual a ninguém. Isso já é motivo o suficiente para nos sentirmos únicos, como as nossas digitais, pois é a melhor maneira de comemorar o quanto de especial somos nós de ser quem somos. 

Beijo grande!

Texto publicado originalmente no Jornal: A Novidade

sexta-feira, 1 de julho de 2016

A garota certa



Ainda não sei traduzir para você quem será a garota certa. Se irá encontrá-la em um dia nublado ou em uma tarde de sol. Não saberia que cor são seus olhos nem o tom da sua pele, o timbre da sua voz será calmo como os dias que você passou lendo sobre administração ou economia. A garota certa aparecerá como um dia desajeitado quando você percebe que as coisas saíram de lugar e não sabe se foi de propósito ou destino, talvez?

Você vai perceber que encontrou a garota certa quando ela aceitar assistir o futebol ao seu lado tomando cerveja, nem que seja apenas meio copo só para te acompanhar.  A garota certa falará dos seus sonhos, projetos e compartilhará cada passo alcançado ao seu lado. Ela também vai escutar as suas loucuras e labutas do dia-a-dia.

A garota certa não vai se importar com protocolos e opiniões alheias, ela vai saber ser ela mesma, mesmo não percebendo a quão maravilhosa ela se tornará. Ela apenas vai se importar com o bem estar de vocês dois. A garota certa vai ter um jeito particular de se vestir, não vai seguir nenhuma tendência ou moda, não se importará com formalidades. Pra ela o lema é: menos é mais.  Uma calça jeans, camiseta, tênis e rabo de cavalo são tudo que precisa. 

A garota certa vai querer sair nos dias de sol, aproveitar o tempo ao seu lado, um piquenique, visitar o museu, ou só andar pelas ruas movimentadas da cidade, sentar em um café e observar as pessoas no movimento do dia.   A garota certa vai te abraçar de um jeito que nenhuma fez antes, e o silêncio entre vocês não vai parecer constrangedor, e, sim um momento em que os dois só escutarão as batidas dos corações mais acelerados do que nunca. A garota certa vai te acompanhar nos programas mais chatos, no qual você o denomina o seu programa favorito.

Em um dia qualquer como o outro, com o sol entre as nuvens e o ar quente de um fim de dia. Vocês estarão sentados em uma varanda de uma casa com portões amarelos.  Os pés apoiados na mesa que você mesmo construiu, onde quis jogar fora, no entanto ela insistiu que ficasse na varanda. Um dia comum, entre tantos, você a escuta falar, seus gestos, como sua boca fica linda quando sorri.  Há um sorriso dentro de seu coração, enquanto as luzes amarelas batem no rosto dela, fazendo uma sombra suave.  Você contempla aquele momento e eterniza na sua memória para lembrar que ela sempre será a garota certa que você escolheu para permanecer do seu lado.

Beijo grande!

Texto publicado originalmente no jornal: A Novidade