sábado, 30 de janeiro de 2016

A viagem

Muitas pessoas já me perguntaram sobre o sentimento de ser uma cadeirante de fato. Bom, isso é difícil de explicar. Como por exemplo, explicar o amor em palavras. É mais ou menos o que sinto diante da minha vida de quatro rodas. Já me intitularam de tantas coisas que eu não sou.  Avisaram de quão difícil iria ser todo esse processo. No começo foi difícil, confesso, e hoje não posso escrever a palavra fácil, no entanto diria que está sendo bom, tento ser melhor a cada dia, mesmo que às vezes a teimosia me supera.


Imagine um sonho que você tenha: casa própria, uma viagem, carro do ano? Para concretizá-lo você irá economizar dinheiro por alguns meses ou até anos, dependendo das suas possibilidades e o seu sonho. Por exemplo: uma viagem, depois de economizar cada centavo, agora irá se organizar e planejar a tão sonhada viagem. Hotel, pontos turísticos, restaurantes, lugares que quer conhecer. Também irá organizar as malas. Tudo certo para o dia que você mais sonhou. E de repente do nada, tudo muda. Não poderá mais realizar esse sonho guardado por tanto tempo.


Então, caro leitor me pergunta por quê? A nossa vida também algumas vezes é planejada, porém o sentimento de ser cadeirante é esse.  Assim que a maioria das pessoas que ficaram por um acaso do destino na cadeira de rodas se sentem. Sua viagem foi cancelada e seu sonho adiado por um acontecimento maior.  A mudança: sentimos medo dela. Medo de não conseguir ser mais quem fomos um dia. Aquela menina descolada de calças rasgadas que queria ver o mundo de cabeça para baixo. Ou aquele garoto um pouco tímido sempre com as mãos nos bolsos, que olha sempre para o céu nos dias ensolarados e vai descendo as avenidas e pensando: Como é bom ser quem eu sou!

Não importa a idade, sexo, classe social, não importa a altura da lesão. A impressão que temos que saímos dos nossos corpos para outro corpo que nunca nos pertenceu.  O tempo vai passando, vamos mudando de opiniões, ideias e um dia mesmo que por fora parecemos conformados, por dentro ainda há uma alma com pernas resistentes que correm por avenidas não movimentadas. Planeje outra viagem, no entanto pense na acessibilidade e curta com vontade.  A vida, você nunca entende porque coisas que não estão planejadas acontecem, essa é a graça de tudo que vivemos. A surpresa!

Texto publicado originalmente 29/01/2016



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